No dia 15 de julho de 2017, apresentei o meu terceiro livro sobre
temas marítimos, no Centro de Mar, situado na face de ré do navio Gil Eannes.
O ato foi muito concorrido e contou com a presença do Sr.
Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo.
A apresentação abriu com dois trechos musicais brilhantemente
interpretados ao violino pela Dra. Beatriz Barbosa, maestrina do Grupo Coral da
Academia Sénior do Centro de Estudos Regionais, calorosamente aplaudida.
Seguidamente um grupo de três senhoras interpretaram a sátira
medieval – As lavadeiras – da autoria de José Carlos Rego Meira, com algumas
referências alusivas ao mar e muito a propósito, muito saudadas pelo público
presente.
O Dr. José Carlos Loureiro, Presidente do Centro de Estudos
Regionais e autor do prefácio, apresentou o livro Naufrágios no «Mar de Viana»,
saudando o Sr. Presidente da Câmara, o autor e o público presente, fazendo uma
breve resenha da obra ora apresentada.
Seguiu-se na palavra o autor que leu o texto seguinte:
Quando há 43 anos, nos
mares gelados da Terra Nova, naufraguei com o penúltimo navio da pesca à linha
– o São Jorge da praça de Aveiro, o último, o Novos Mares, ficou para nos
salvar – jamais imaginei que um dia tivesse coragem para escrever sobre
naufrágios, como aconteceu com este livro que trago à estampa para memória
futura, mas, sobretudo, para homenagear todos aqueles que foram vítimas de
naufrágios, especialmente os familiares dos náufragos que pereceram.
O sofrimento pela perda
de alguém que nos é muito querido, que brota da sensibilidade de cada um, é
enorme. A perda do irmão, do pai, do marido, do filho, do amigo é
inqualificável.
Uma mãe que perde um
filho que trouxe no ventre durante 9 meses, saiu das suas entranhas, acarinhou
e amamentou no berço, deve ter uma dor inimaginável, para mais quando o cadáver
teima em não aparecer como acontece na maioria dos casos. Outras vezes, nem
sequer aparece e, se aparece, vem irreconhecível. É um penar dias e dias
infindáveis.
Uma esposa que tinha no
marido o amor da sua vida e o sustento dos seus filhos, fica destroçada e
sente-se sem forças para lutar pela sua sobrevivência e dos seus filhotes,
algumas vezes ainda no ventre, outras, recém-nascidos.
Um pai, que tantas
esperanças depositou no filho, dele vir a ser um continuador da profissão e,
quem sabe, melhor ainda do que ele, fica inconsolável e revoltado com esse mar
impiedoso e traiçoeiro que lhe tragou o filho ainda jovem.
O irmão das
brincadeiras de criança, das partilhas e confidências mais íntimas da
juventude, dos amores que se tem vergonha de contar aos pais. Aquele irmão que
estava sempre presente para o melhor e para o pior. Esse irmão sente-se só,
abandonado, sem ânimo para prosseguir e com medo do mesmo lhe vir a suceder.
O amigo, o verdadeiro,
que ia beber um copo à taberna da esquina (ao Tone Bento, à Zefa, e a tantas
outras tabernas e cafés que existem por esse bairro da Ribeira de Viana), ficou
sem companheiro para partilhar as anedotas e discutir os últimos resultados da
bola, ficou sorumbático e mudo, sem conseguir articular palavra, incrédulo, a
pensar na sorte que está subjacente ao pescador, ao marinheiro, ao maquinista,
ao imediato, ao capitão, a todos aqueles que andam por sobre as águas do mar.
Só para terem uma ideia
das tragédias que na década de 60 do século passado abalaram a martirizada
comunidade da Ribeira de Viana, vou enumerar apenas as 8 mais trágicas:
Em 1960, ainda não
esquecida a tragédia que no ano anterior tinha vitimado 7 tripulantes do barco
de pesca «Arrogante», deu-se o desastre do salva-vidas «Ferreira do Amaral» em
que pereceu o mestre César e dois marinheiros durante a missão de salvamento.
No ano de 1963 foi a tragédia do barco de pesca com o nome do Beato Frei
Bartolomeu dos Mártires, que foi vítima de naufrágio ceifando a vida a 8
pescadores …anda a morte no mar… dizia o redator da «A Aurora do Lima». A meio
da década, em 1965 outro acidente trágico acontecia na barra de Viana com o
rebocador «Rio Vez», procedente de Leixões, com um batelão a reboque, morrendo
todos os oito tripulantes, salvando-se apenas os três tripulantes do batelão –
temos a honra de termos hoje aqui presente um desses sobreviventes, o sr. João
Trindade Lopes. Ainda em 1965 deu-se o afundamento do barco de pesca «Pérola de
Peniche» que levou consigo os três tripulantes. Dois anos depois, em 1967,
deu-se a tragédia da Amorosa que apanhou de surpresa grande número de pessoas e
crianças que se encontravam naquela praia. Ao todo 8 desaparecidos nas ondas, 8
receberam tratamento hospitalar tendo 4 ficado internados e outros 4 receberam
tratamento. No ano seguinte, a Ribeira de Viana voltava a ficar orfã de mais 5
tripulantes do barco de pesca «Jorge Jesus» - temos entre nós um sobrevivente,
o Jober que escapou às garras do oceano, como ele descreve no último capítulo
do livro, e também o Graciano por ter sido mandrião e ficado a dormir. Ainda
não tinha terminado a década e no ano de 1969, não foi um, mas dois acidentes.
O primeiro foi o afundamento do navio espanhol «Hermanos Manterola», a 3 milhas
do Castelo do Neiva que vitimou 3 tripulantes; o segundo foi a morte de um
pescador do barco «Nova Rainha Santa Isabel» na barra de Viana.
Foi uma década fatídica
que registou 26 acidentes, em 8 dos quais tiveram morte trágica 39 pessoas.
Felizmente que nos outros 18 sinistros não houve vítimas a registar.
Confinados a este
recanto da Europa, os portugueses sempre tiveram o mar como evasão e destino.
Ao longo dos séculos pereceram a bordo de navios portugueses, centenas,
milhares de homens que tiveram como tumba o mar, desde os descobrimentos até
aos nossos dias.
É possível que haja
mais, mas só conheço uma localidade da costa portuguesa onde existe um
monumento que perpetua a memória daqueles que o mar tragou na sua fúria
assassina – Caxinas em Vila do Conde.
Viana, terra de
marinheiros e pescadores, tem na sua história trágico-marítima muitas centenas,
senão milhares de náufragos. Deixo aqui um apelo à autarquia para numa próxima
oportunidade ponderar erigir um monumento que simbolize e perpetue a memória de
todos aqueles que o mar vitimou.
PORQUÊ ESTE LIVRO?
Quando há 8 anos atrás
fazia pesquisas para o livro «Pilotos da barra de Viana – 100 anos de história
(1858-1958)» no jornal «A Aurora do Lima», deparei com inúmeras notícias de
naufrágios ocorridos na costa Norte de Portugal. Comecei, então, por prestar
mais atenção aos acontecimentos marítimos em geral e não só aquilo que buscava
encontrar sobre os pilotos da barra.
Desde 1855, (ano do
nascimento deste prestigioso órgão de informação regional, que se tornou na
maior fonte histórica de Viana até aos dias de hoje, que é necessário
preservar), colhi vasta informação que me permitiu cruzar com outras fontes,
para obter os trabalhos que tenho trazido ao vosso conhecimento.
O facto de ter sido
náufrago (já lá vão 43 anos) constituiu também um impulso para escrever sobre
naufrágios e trazer a lume momentos de tragédia e infortúnio vividos pelos
sobreviventes e seus familiares, tantas vezes esquecidos e ignorados daqueles
que desconhecem a vida árdua do marítimo, em confronto com
forças tão adversas e incontroláveis.
Acresce ainda o facto
de ser do meio e aperceber-me que não existe quem escreva sobre esta classe tão
desprotegida e abandonada à sua sorte. Por outro lado, era necessário
aproveitar os depoimentos daqueles que sofreram acidentes no mar e que ainda aí
estão para os contar, como o fizeram com agrado neste livro e que fica para
memória futura. Para eles vai o meu agradecimento pela paciência que tiveram em
me aturar.
O livro é uma
compilação de naufrágios e acidentes ocorridos ao longo de mais de 150 anos na
costa Norte de Portugal, na zona geográfica que vai da Foz do Rio Minho aos
Cavalos de Fão, um pouco a Sul da Foz do Cávado, a que os pescadores chamam de
«Mar de Viana», por ser a área de autonomia das suas embarcações em tempos mais
recuados, quando a navegação era à vela ou a remos, progressivamente alargada
com a introdução do motor às embarcações.
Não se trata
exclusivamente de sinistros ocorridos com embarcações de pesca, embora grande
percentagem lhe seja devida, mas também à navegação comercial que passa ao
longo da costa ou que vem em demanda dos portos de Viana e Leixões e durante a
aproximação a terra encontraram baixios ou forças adversas (vento e mar) que os
traíram e motivaram o naufrágio.
Este é um resumo muito
sintético do livro que hoje vos apresentamos. Ele aí está. Desfrutem-no.
Resta-me agora
agradecer: - Ao CER na pessoa do seu Presidente Dr. José Carlos Loureiro que
desde a primeira hora apoiou e impulsionou a edição deste livro; à CMVCastelo,
na pessoa do Sr. Presidente, Eng.º José Maria Costa que estimulou e patrocinou
esta edição; aos náufragos sobreviventes cujos depoimentos muito engrandeceram
esta monografia; aos atores, declamadores, encenadores, músicos e outros que
animaram esta ato; ao dr. Rui Carvalho e sua equipa que projetaram e executaram
o design gráfico deste livro; por último, e mais uma vez à Câmara Municipal, na
pessoa da Eng.ª Leonor Cruz, responsável pelo Centro de Mar e sua equipa, pela
forma como apoiaram esta iniciativa desde o primeiro momento, pondo ao dispor
os meios necessários para que tudo corresse bem e, naturalmente grato a todos
vós pela vossa presença.
O meu muito obrigado a
todos.
Depois da minha intervenção e antes do encerramento pelo Sr.
Presidente da C.M.V. do Castelo, assistimos a um momento de poesia, com duas
poesias belissimamente declamadas pelo amigo Sr. Manuel Alberto Folgado da
Silva - um soneto de seu pai Baptista da Silva e outra de Miguel Torga,
acompanhado à guitarra clássica pelo multifacetado Sr. Rego Meira.
O Sr. Presidente da Câmara encerrou o evento agradecendo ao
autor o ter abordado um tema tão pungente e pesaroso, mas real na vida das
comunidades marítimas.
O livro foi editado pelo CER – Centro de Estudos Regionais e
encontra-se à venda na sede – Largo do Instituto Histórico do Minho, ao lado da
Matriz de Viana, aberta todos os dias das 14:00 às 17:00 e às 3.ª e 6.ª das
09:00 às 12:00. Também pode ser pedido on-line através dos mails: estudosregionais@sapo.pt ou geral@cer.pt ou ainda livraria@cer.pt