quarta-feira, 23 de julho de 2014

O ESPÓLIO DOS ENVC


Caiu como uma bomba em Viana do Castelo, a notícia da doação do espólio do que resta da memória dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), a duas entidades que nos merecem o máximo respeito, mas que certamente não precisavam de duplicar os planos dos navios construídos nos ENVC.
Perante tão grave acontecimento, não podia ficar calado e por isso, apesar de não possuir elementos suficientes para sustentar uma defesa intransigente e consistente da permanência do espólio dos ENVC na cidade de Viana, ouso emitir uma opinião que não será muito diferente da realidade.
O que vou afirmar a seguir baseia-se numa suposição plausível. Com exceção dos últimos navios construídos recentemente nos ENVC, os N.R.P. Viana do Castelo e Figueira da Foz, todos os outros navios construídos pelos ENVC já foram abatidos pela Marinha e estou em crer que os planos desses navios não tenham sido deitados fora, mas estejam no Arquivo de Marinha para onde são canalizados todos os documentos de Marinha.
Já quanto ao Museu Marítimo de Ílhavo (MMI) o mesmo não sucede, mas sei que existe um grande número de planos de navios que foram abatidos, alguns deles construídos nos ENVC, não sendo necessário duplicar o acervo documental.
Fragmentar o espólio documental de todas as construções dos ENVC é um atentado à história, à investigação e uma afronta à memória daqueles que participaram na construção desses navios, os trabalhadores de todos os tempos da existência dos ENVC e à cidade de Viana do Castelo e à região onde se insere.
Li algures, embora não haja nenhum desenvolvimento sobre essa matéria, que a autarquia de Viana pretendia inserir o espólio dos ENVC num futuro pólo museológico marítimo a criar brevemente no Centro de Mar que ficará instalado no navio Gil Eannes. Gostei da ideia e face a essa notícia, desisti de apresentar à edilidade uma ideia que começou a germinar na minha mente após a realização, o ano passado, da exposição «Viana, fiel amiga do Mar. Memórias da Empresa de Pesca de Viana», que teve um grande impacto na população local e não só.
Só pode ser por despeito e afronta política esta tomada de decisão do ministro da defesa. Não é compreensível separar um espólio documental do resto do importante acervo material que está prometido ficar em Viana do Castelo, onde seria importante constituir um museu da construção naval, que não existe em Portugal, país pioneiro nesta área, e que viria a cativar fluxos turísticos para a região, fomentando a descentralização tão necessária ao desenvolvimento integrado e sustentado do país.
Concordo que a documentação não pode estar espartilhada por arquivos, mas isso não invalida que o acervo que narra a história de uma região tenha de ser concentrado todo nos arquivos da capital (Torre do Tombo, Arquivo de Marinha, etc,) obrigando os investigadores dessa região (que são os que se interessam por essas matérias) a deslocarem-se a Lisboa ou a outros arquivos (a Braga para investigarem o espólio da Alfândega de Viana  ou a Ílhavo, os planos dos navios bacalhoeiros, construídos nos ENVC) para consultarem assuntos da sua terra que não interessam nada aos investigadores dos arquivos das cidades para onde foram deslocalizados.
Era bom que a secretaria de estado da cultura se debruçasse sobre isso e organizasse convenientemente as temáticas em prol da investigação e da cultura.
Concretamente, no caso em análise, o desmembramento do espólio dos ENVC por três arquivos diferentes e dispersos geograficamente, é uma forma de desmotivar qualquer investigador que queira estudar esta matéria, para apresentar uma tese ou simplesmente para construir a história duma empresa que foi âncora na cidade e região de Viana do Castelo.
É um atentado à identidade de uma região, do seu povo, da sua história e da sua cultura, sendo portanto de repudiar e contestar até onde for possível.
Viana do Castelo, 26 de abril de 2014
Manuel de Oliveira Martins

maolmar@gmail.com

sábado, 21 de junho de 2014

PRAXES

PRAXES

A morte de três estudantes em Braga resultante das praxes estudantis, somada às mortes misteriosas ocorridas neste ano escolar na praia do Meco, devem preocupar todos, indistintamente de terem alguém ligado a estas atividades estudantis que ultimamente têm tomado foros que ultrapassam o limite do razoável.
As praxes pretendem ser um elemento de integração do «caloiro» na nova escola, devendo por isso ser uma forma de aproximar e unir o recém entrado à nova realidade. Paradoxalmente o que se verifica na realidade é um afastamento motivado pelo medo que as práticas pouco heterodoxas e incongruentes despoletam no «caloiro».
Dizem os defensores que ninguém é obrigado a aderir, mas também se sabe que aqueles que manifestarem desinteresse pela praxe, são marginalizados. É uma forma de coagir o «caloiro» a aderir, atentatório da liberdade individual e como tal reprovável.
Os jornais documentam atos vexatórios e indignos que aviltam a condição humana, alguns deles objeto de punição judicial, mas não o suficiente por medo de retaliações por parte dos infratores - os «doutores» - acabando por se perder a oportunidade de desmascarar a monstruosidade de tais práticas por falta de prova.
Os tais «doutores» (que nunca chegarão a ser; alguns passam uma vida sem fazer uma cadeira), por falta de imaginação e muito por perversidade, teimam em continuar a copiar as maldades que uns «iluminados», em nome da liberdade, resolveram implementar tiranamente e à revelia da academia como regra, dux dixit.
Integrar o jovem estudante no meio académico devia constituir da parte dos mais velhos uma honra e, por conseguinte, uma lição de como o novo candidato ao ensino superior se deve comportar para atingir o grau académico a que se propõe. Os valores éticos e nobres, devem estar acima de tudo, não é através do aviltamento, do achincalhamento, do desprestígio, da humilhação que se faz a integração do «caloiro».
Só mentes corrompidas, desprovidas de sentimentos de pudor e de decência são capazes de praticar tais atos indignos como aqueles que a comunicação social por vezes relata. Obrigar a rastejar pelo chão e a comer erva, para não falar de outras coisas mais repugnantes, não é dignificante para o ser humano nem constitui uma forma de integração.
Um exemplo: - por que não, nas escolas onde existem relvados e jardins, colocar os «caloiros» a cortar a relva e a tratar dos jardins, com o consentimento, é óbvio, da reitoria. Muitos outros exemplos poderia aqui apontar, de integração para a cidadania. Não nos devemos esquecer que estes «caloiros» são potenciais quadros superiores públicos e privados e começa com a integração na universidade a integração na vida ativa.


Não sou contra as praxes, mas contra os métodos que utilizam para «praxar» os mais desprotegidos, concretamente os que precisam de maior apoio para se adaptarem à nova realidade. Não é fácil para um jovem, a mudança de hábitos, é aqui que a praxe deve atuar, integrando e não humilhando. Quantos jovens se perderam por causa das praxes? Está por fazer esse inventário por inconformismo de uns e por medo da maioria.
Outro aspeto a considerar é o tempo de duração das praxes que a meu ver é excessivo. A missão do estudante é estudar não é andar em paródias a maior parte do ano. Um estudante do ensino superior fica muito caro ao bolso de cada um de nós para além do que os pais gastam, devem ser responsabilizados pela gestão dos dinheiros que são gastos na sua formação. Há tempo para tudo, para o estudo e para a diversão, com ponderação e bom senso, como se exige a pessoas do  nível etário e cultural dos estudantes do ensino superior.
Tornou-se um mau hábito para a maioria, e uma obsessão e dependência para uns quantos, as festas patrocinadas por firmas de bebidas alcoólicas que para além de toldarem as cabeças, causam outras perturbações nos jovens; acidentes de viação, muitos deles que redundam em mortes, perdas de ano e abandono do curso que se propunham acabar. A frequência de um curso de nível superior deve ser potenciadora de uma formação académica, mas acima de tudo de uma  preparação para enfrentar a vida de trabalho que teem pela frente. Desta forma, está-se a contribuir para uma sociedade mais participativa, mais solidária e motora do desenvolvimento sustentável, que é necessário criar, para tornar a sociedade mais equilibrada e justa.

Publicado no jornal «A Aurora do Lima» em 12/06/2014

Viana do Castelo, 24 de abril de 2014
Manuel de Oliveira Martins
maolmar@gmail.com