Caiu como uma bomba em Viana do
Castelo, a notícia da doação do espólio do que resta da memória dos Estaleiros
Navais de Viana do Castelo (ENVC), a duas entidades que nos merecem o máximo
respeito, mas que certamente não precisavam de duplicar os planos dos navios
construídos nos ENVC.
Perante tão grave acontecimento,
não podia ficar calado e por isso, apesar de não possuir elementos suficientes
para sustentar uma defesa intransigente e consistente da permanência do espólio
dos ENVC na cidade de Viana, ouso emitir uma opinião que não será muito
diferente da realidade.
O que vou afirmar a seguir
baseia-se numa suposição plausível. Com exceção dos últimos navios construídos
recentemente nos ENVC, os N.R.P. Viana do Castelo e Figueira da Foz, todos os
outros navios construídos pelos ENVC já foram abatidos pela Marinha e estou em
crer que os planos desses navios não tenham sido deitados fora, mas estejam no
Arquivo de Marinha para onde são canalizados todos os documentos de Marinha.
Já quanto ao Museu Marítimo de
Ílhavo (MMI) o mesmo não sucede, mas sei que existe um grande número de planos
de navios que foram abatidos, alguns deles construídos nos ENVC, não sendo
necessário duplicar o acervo documental.
Fragmentar o espólio documental
de todas as construções dos ENVC é um atentado à história, à investigação e uma
afronta à memória daqueles que participaram na construção desses navios, os
trabalhadores de todos os tempos da existência dos ENVC e à cidade de Viana do
Castelo e à região onde se insere.
Li algures, embora não haja
nenhum desenvolvimento sobre essa matéria, que a autarquia de Viana pretendia
inserir o espólio dos ENVC num futuro pólo museológico marítimo a criar
brevemente no Centro de Mar que ficará instalado no navio Gil Eannes. Gostei da
ideia e face a essa notícia, desisti de apresentar à edilidade uma ideia que
começou a germinar na minha mente após a realização, o ano passado, da
exposição «Viana, fiel amiga do Mar. Memórias da Empresa de Pesca de Viana»,
que teve um grande impacto na população local e não só.
Só pode ser por despeito e
afronta política esta tomada de decisão do ministro da defesa. Não é
compreensível separar um espólio documental do resto do importante acervo
material que está prometido ficar em Viana do Castelo, onde seria importante
constituir um museu da construção naval, que não existe em Portugal, país
pioneiro nesta área, e que viria a cativar fluxos turísticos para a região,
fomentando a descentralização tão necessária ao desenvolvimento integrado e sustentado
do país.
Concordo que a documentação não
pode estar espartilhada por arquivos, mas isso não invalida que o acervo que
narra a história de uma região tenha de ser concentrado todo nos arquivos da
capital (Torre do Tombo, Arquivo de Marinha, etc,) obrigando os investigadores
dessa região (que são os que se interessam por essas matérias) a deslocarem-se
a Lisboa ou a outros arquivos (a Braga para investigarem o espólio da Alfândega
de Viana ou a Ílhavo, os planos dos
navios bacalhoeiros, construídos nos ENVC) para consultarem assuntos da sua
terra que não interessam nada aos investigadores dos arquivos das cidades para
onde foram deslocalizados.
Era bom que a secretaria de
estado da cultura se debruçasse sobre isso e organizasse convenientemente as
temáticas em prol da investigação e da cultura.
Concretamente, no caso em
análise, o desmembramento do espólio dos ENVC por três arquivos diferentes e
dispersos geograficamente, é uma forma de desmotivar qualquer investigador que
queira estudar esta matéria, para apresentar uma tese ou simplesmente para
construir a história duma empresa que foi âncora na cidade e região de Viana do
Castelo.
É um atentado à identidade de uma
região, do seu povo, da sua história e da sua cultura, sendo portanto de
repudiar e contestar até onde for possível.
Viana do Castelo, 26 de abril de
2014
Manuel de Oliveira Martins
maolmar@gmail.com